segunda-feira, 30 de junho de 2008

codigo para lincar arquivos mp3 no blog

o codigo é esse, mas preciso conversar com washingyton pra pensarmos nos locais de disponibilizar audio de maneira facil....





vamo ver isso amanha na GEC

sexta-feira, 30 de maio de 2008

texto para o dia 13/06

Link para o texto do dia 13/06.

Este texto discute a questão da técnica e da ética em autores como: Marx, Spengler, Jonas,

http://www.scielo.br/pdf/asoc/v8n2/28604.pdf

Texto da próxima reunião

Elogio à técnica

Processo de desenvolvimento tecnológico ajuda a compreender as contradições do sistema capitalista

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA

É técnica a questão da técnica. Não coloca o problema da procura de sua verdade, de como ela nos relaciona de modo muito específico com o Ser. E o motivo é muito simples, pois me parece que existem técnicas e técnicas, e não vejo a possibilidade de encaixar, sob uma única cláusula, os mais diversos relacionamentos que os seres humanos mantêm com o universo mediante construções feitas por eles mesmos.
No final das contas, a linguagem também não é uma técnica de transformar sinais em símbolos? Do mesmo modo, o discurso sobre a técnica, a tecnologia, teórico ou prático, continua a ser uma fala ligada a procedimentos de experimentação e construção.
Em resumo, a oposição radical entre conhecimento e técnica não mais existe, se já existiu, de sorte que interessa examinar o que se entende quando se fala do saber e do fazer desse do ponto de vista.

Perigo e responsabilidade
Não cabe menosprezar os perigos da tecnologia, os efeitos colaterais das novas drogas, o inesperado cansaço de materiais artificialmente submetidos a pressões adversas assim como as técnicas da guerra e dos campos de concentração.
Mas esses perigos no mínimo são equiparáveis àqueles processos naturais em transformação, tais como erupções vulcânicas fantásticas, terremotos e tsunamis avassaladores e assim por diante. Nesse ponto, a questão é de responsabilidade.
Mas não exageremos esse ponto, pois, se falamos ao telefone e assistimos à televisão sem entender o que se passa além de sua aparência, isso sempre valeu para o ato de alimentar, pois pouquíssimos são aqueles que sabem da digestão de um grão de trigo.
Além disso, é simplesmente ideológico imaginar que tudo o que vem da natureza é bom.
No final das contas, o veneno das aranhas e o ópio são produtos naturais, mas no veneno da jararaca se encontrou uma substância que tem sido muito usada no tratamento da hipertensão. No fundo dessa posição ingênua reside o postulado de que a natureza é obra divina feita sem trabalho, embora Jeová tenha descansado depois de seis dias de criação.
Desde os primórdios da filosofia, essa idéia religiosa se tornou leiga, inspirando um duplo conceito de razão. O primeiro, substantivo, que indaga de onde nós viemos, o que nós somos e o que deveríamos ser; o segundo, meramente técnico, pelo qual, dados certos fins, se procuram os meios para que sejam realizados.
Em que medida a procura dos meios também não configura o fim visado? Aqui nos interessa, porém, outro lado da questão: parte da filosofia contemporânea tem deixado de lado esses conceitos de razão porque questiona essa diferença na medida em que hoje sabemos que qualquer raciocínio efetivo pode ser reconstruído por sistemas formais, por lógicas diferentes.
Nem mesmo a análise de conceitos se livra de métodos construtivos. Em suma, o sólido terreno da lógica, até então pensado como pavimento dos procedimentos racionais, também pode ser pensado tecnologicamente. Daí uma determinação recíproca muito variada entre conhecimento e tecnologia, um lado colocando problemas para o outro e vice-versa.
Conhecimento e técnica só podem então vir a ser perigosos no seu uso, particularmente no seu uso social.
Se este também é técnico, o é na medida em que inclui técnicas de controle, toda uma rede de instituições que lutam para criar e se apropriar da tecnociência em seu proveito.
Não existem dois planos separados, esse da tecnociência e aquele de seu emprego no contexto quer da concorrência cruzada entre instituições privadas e estatais, quer no conflito entre as nações. Precisando: são essas instituições particularizadas ou globalizadas que dirigem o "mainstream" do progresso das ciências e das técnicas.

Progresso
Já na fase mais elementar do financiamento de um projeto de pesquisa, a liberdade de escolha é conformada pelas políticas de Estado, pelas fundações financiadoras, pelo sistema de publicação dos novos conhecimentos e, sobretudo, pela conversão da teoria num produto pelos grandes institutos e laboratórios privados.
É sabido que a invenção científica e tecnológica tem passado ao largo das universidades que, se não se encaixam nas redes de produção tecnocientífica, tendem a produzir apenas mão-de-obra qualificada.
Não se deduza dessas minhas indicações que estou pulando de contente com o extraordinário progresso do conhecimento e da tecnologia que experimentamos desde os meados do século 19. Se o avanço da tecnociência me admira quando nos dá instrumentos extraordinários para resolvermos nossos problemas atuais, igualmente me horroriza quanto tais instrumentos são postos em razão de políticas assassinas.
Os instrumentos das ciências e das técnicas nunca foram neutros do ponto de vista político, mas a partir dos meados do século 19 começa um crescimento exponencial de novas teorias e do número de pesquisadores, na medida em que a produção da ciência se torna uma força produtiva. Sempre saber e poder fazer mais criaram vantagens no embate entre as nações.
Mas, claramente depois da Segunda Guerra Mundial, esse processo de ganhar na margem se converte numa luta de ganhar pela ampliação e controle dessa margem.

Explorar a contradição
Siracusa podia imaginar que queimaria a frota inimiga utilizando os espelhos concêntricos desenhados por Arquimedes; o doge podia imaginar que a luneta apresentada por Galileu lhe traria vantagens contra os inimigos de Veneza; mas a corrida pela fabricação da bomba atômica não se resumiu a uma apropriação de teorias feitas, mas se abriu numa corrida vertiginosa para obter novos conhecimentos, somente disponíveis graças ao investimento de capitais fabulosos.
Em que medida o circuito desses capitais determina e é determinado pelo desenvolvimento do saber fazer? Isso se reproduz nos tempos de paz, quando, por exemplo, a associação entre o Estado e a indústria bélica americanos se torna tão potente que o inimigo interno, em particular a guerrilha, se torna muito mais importante do que o inimigo externo.
E a guerrilha não é antes de tudo a vontade de usar procedimentos elementares para emperrar a grande máquina do mundo cotidiano?
Não tem mais sentido dizer que mesmo a produção da ciência pode ser feita para o bem ou para o mal. Ela progride pelo empuxo dos mais fortes politicamente, mas a cada passo adiante ela também abre poros nesse grande sistema, exibindo suas contradições.
De um lado, não há a tecnociência; de outro, há o controle de tudo o que é novo pela dinâmica do capital. A pergunta não consiste então no modo como se exploram a contradições para que uma nova forma de sociabilidade, menos predadora, possa ser pelo menos sonhada?
E o sonho não é técnico.



JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e coordenador da área de filosofia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve regularmente na seção "Autores".

quinta-feira, 29 de maio de 2008

minha participação no blog

e ai galera peripatética gec-sextante!!

acho que agora devemos nos dar férias da filosofia agora e vagar em algo mais prático-funcional-matérial. os textos filosóficos sugeridos pelo nosso querido spacejunk mor companheiro washington, com muito respeito, devem ser aplicadas na prática gequiana (CEC). minha sugestão sincera seria a produção de um vídeo sobre os sextantes. por ter me identificado com o grupo, acho importante a formação de um documento (arquivo) para registrar a sua formação acadêmica e criar um vinculo com algum tipo de identidade holista.

acho fundamental este caracter pois apoio este tipo peculiar de ação social. (considerando que nosso grupo é peculiar)

abraços fabiano

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Então, na última reunião nós decidimos por não ter sextantes no feriadão. Quanto ao audio, nós gravamos mas não foi possível ainda disponibilizar no blog. Doriedson quem ficou respons´vel por isso, mas até agora...
Bem lembrando só que teremos reunião na próxima sexta e o texto excluido por unanimidade foi o de Ortega y Gasset já disponível no Blog.

Sextantes saudações


Washington Oliveira

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Sobre o audio da reunião passada

E ai sextantes,

alguem gravou o audio da reunião passada. Disponibiliza o som aqui no blog.

Israel

terça-feira, 20 de maio de 2008

Sobre reunião de sexta

perpétuos sextantes...

Informem se nesta sexta, após uma quinta lenta e regada de sabores da vida, teremos reunião do único grupo do GEC que gosta de reunião na sexta...

Aguardo boas notícias

Israel

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Proposta de texto a ser lido na próxima reunião

Meditação da técnica

José ORTEGA Y GASSET

A. Excursão ao subsolo da técnica

Como é que no universo existe essa coisa tão estranha, esse fato absoluto que é a técnica, o fazer técnica o homem? Se intentamos, com seriedade, aproximar-nos a uma resposta, temos que aceitar a submergir em certas inevitáveis funduras.

E então nos encontramos no universo onde acontece o seguinte fato: um ente, o homem, se vê obrigado, se quer existir, a estar em outro ente, o mundo ou a natureza. Ora, esse estar um no outro - o homem no mundo - podia adotar um destes três aspectos:

1) Que a natureza oferecesse ao homem para sua permanência nela puras facilidades. Isto queria dizer que o ser do homem e do mundo coincidiam plenamente ou, o que é igual, que o homem era um ser natural. Assim acontece com a pedra, com a planta, provavelmente com o animal. Se assim fosse, o homem careceria de necessidades, não notaria falta de nada, não seria indigente. Seus desejos não se diferenciariam da satisfação desses mesmos desejos. Não desejaria senão o que existe no mundo tal e como existe, ou vice-versa, o que ele desejasse tê-lo-ia, como na estória da varinha mágica. Um ente assim não poderia sentir o mundo como alguma coisa diferente dele, posto que não lhe ofereceria resistência. Andar pelo mundo seria o mesmo que andar por dentro de si mesmo.

2) Mas poderia ocorrer o inverso. Que o mundo não oferecesse ao homem senão puras dificuldades ou, o que é igual, que o ser do homem e do mundo fossem totalmente antagônicos. Neste caso, o homem não poderia alojar-se no mundo, não poderia estar nele nem uma fração de segundo. Isso que chamamos vida humana não existiria e, portanto, tampouco a técnica.

3) A terceira possibilidade é a que efetivamente ocorre: que o homem, ao ter que estar no mundo, se encontra com que este é em torno de si mesmo uma intrincada rede, tanto de facilidades como de dificuldades. Quase não há coisas nele que não sejam em potência um ou outro. A terra é algo que o sustenta com sua solidez e lhe permite estirar-se para descansar ou correr quando tem que fugir. Aquele que naufraga ou cai de um telhado se dá perfeitamente conta do favorável que é essa coisa tão humilde pelo habitual que é a solidez da terra. Mas a terra é também distância; infelizmente muita terra o separa da fonte quando está sedento, e às vezes a terra se empina; é uma lomba penosa que é preciso subir. Este fenômeno fundamental, talvez o mais fundamental de todos - isto é, que nosso existir consiste em estar rodeado tanto de facilidades como de dificuldades - dá seu especial caráter ontológico à realidade que chamamos vida humana, ao ser do homem.

Porque se não encontrasse facilidade alguma, estar no mundo lhe seria impossível, isto é, que o homem não existiria e não faria questão. Como encontra facilidades em que apoiar-se, resulta que lhe é possível existir. Mas como acha também dificuldades, essa possibilidade é constantemente embaraçada, negada, posta em perigo. Daí a existência do homem, seu estar no mundo, não ser um passivo estar, pois tem, à força e constantemente, que lutar contra as dificuldades que se opõem a que seu ser se aloje nele. Note-se bem: à pedra lhe é dada feita sua existência, não tem que lutar para ser o que e: pedra na paisagem. Mas para o homem existir é ter que combater incessantemente com as dificuldades que o contorno lhe oferece; portanto, é ter que fazer-se em cada momento sua própria existência. Diríamos, pois, que ao homem lhe é dada a abstrata possibilidade de existir, mas não lhe é dada a realidade. Esta tem que conquistá-la ele, minuto após minuto: o homem não apenas economicamente, mas metafisicamente, tem que ganhar a vida por si mesmo.

E tudo isto, por quê? Evidentemente, não é senão dizer o mesmo com outras palavras, porque o ser do homem e o ser da natureza não coincidem plenamente. Pelo visto, o ser do homem tem a estranha condição de que em parte resulta afim com a natureza, mas em outra parte não, que é ao mesmo tempo natural e extranatural, uma espécie de centauro ontológico, que meia porção dele está imersa, evidentemente, na natureza, mas a outra parte transcende dela. Dante diria que está nela como as barcas arrimadas à beira-mar, com meia quilha na praia e a outra meia na costa. O que tem de natural se realiza por si mesmo: não lhe é problema. Mas, por isso, não o sente como seu autêntico ser. Ao contrário, sua porção extranatural não é, evidentemente, e sem mais, realizada, que consiste, como se sabe, numa mera pretensão de ser, num projeto de vida.É isto o que sentimos como nosso verdadeiro ser, o que chamamos nossa personalidade, nosso eu. Não há de interpretar-se essa porção extranatural e antinatural de nosso ser no sentido do velho espiritualismo. Não me interessam agora os anjinhos, nem sequer isso que se chamou espírito, idéia confusa cheia de mágicos reflexos.

Se os senhores refletirem um pouco acharão que isso que chamam sua vida não é senão o afã de realizar um determinado projeto ou programa de existência. E seu “eu”, o de cada qual, não é senão esse programa imaginário. Tudo o que fazem os senhores o fazem a serviço desse programa. E se estão os senhores agora lendo-me é porque acreditam, de um ou de outro modo, que fazer isso lhes serve para chegar a ser, íntima e socialmente, esse eu que cada um dos senhores sente que deve ser, que quer ser, O homem é, pois, antes de mais nada, alguma coisa que não tem realidade nem corporal nem espiritual. É um programa como tal: portanto, o que ainda não é, mas que aspira a ser. Dir-se-á que não pode haver programa se alguém não o pensa, se não há, portanto, idéia, mente, alma ou como se lhe queira chamar. Eu não posso discutir isto a fundo pois teria que embarcar-me num curso de filosofia. Somente posso fazer esta observação: ainda que o programa ou projeto de ser um grande financista tem que ser pensado numa idéia, “ser” ser esse projeto não é ser essa “idéia”. Eu penso sem dificuldade essa idéia e, contudo, estou bem longe de ser esse projeto.

Eis aqui a tremenda e ímpar condição do ser humano, o que faz dele alguma coisa única no universo. Advirta-se o aspecto estranho e triste do caso. Um ente cujo ser consiste, não no que é, mas no que ainda não é, um ser que consiste em ainda não ser. Todo o resto do universo consiste no que já é. O astro é o que é, nem mais nem menos. Todo aquele cujo modo de ser consiste em ser o que é e no qual, portanto, coincide, evidentemente, sua potencialidade com sua realidade, o que pode ser com o que, com efeito, é, chamamos coisa. A coisa tem seu ser dado e obtido.

Neste sentido, o homem não é uma coisa, mas uma pretensão, a pretensão de ser isto ou aquilo. Cada época, cada povo, cada indivíduo modula de diverso modo a pretensão geral humana.

Agora, penso, compreendem-se bem todos os termos do fenômeno fundamental que é nossa vida. Existir é para nós achar-nos de pronto tendo que realizar a pretensão que somos numa determinada circunstância. Não se nos permite eleger de antemão o mundo ou circunstância em que temos que viver, já que nos encontramos, sem nossa anuência prévia, submersos num contorno, num mundo que é o de aqui e agora. Esse mundo ou circunstância em que me encontro submerso não é somente a paisagem que me rodeia, mas também meu corpo e também minha alma. Eu não sou meu corpo; encontro-me com ele e com ele tenho que viver, seja são seja doente, mas também não sou minha alma: encontro-me com ela e tenho que usar dela para viver, ainda que às vezes me sirva mal porque tem pouca vontade ou nenhuma memória. Corpo e alma são coisas, e eu não sou uma coisa, mas um drama, uma luta para chegar a ser o que tenho que ser. A pretensão ou programa que somos oprime com seu peculiar perfil esse mundo em torno, e este responde a essa pressão aceitando-a ou resistindo-a, isto é, facilitando nossa pretensão em alguns pontos e dificultando em outros.

Agora posso dizer o que antes não se teria entendido bem. Isso que chamamos natureza, circunstância ou mundo não é originariamente senão o puro sistema de facilidades e dificuldades com que o homem-programático se encontra. Aqueles três nomes - natureza, mundo, circunstância - são já interpretações que o homem dá ao que primariamente encontra, que é somente um conjunto de facilidades e dificuldades. Sobretudo, “natureza” e “mundo” são dois conceitos que qualificam aquilo a que se referem como alguma coisa que está aí, que existe por si, independentemente do homem. O mesmo acontece com o conceito “coisa”, o qual significa algo que tem um ser determinado e fixo e que o tem separado do homem e por si. Mas, repito, tudo isto já é reação intelectual interpretativa ao que primitivamente achamos em torno do nosso eu. E isso que primitivamente achamos não tem um ser aparte e independente de nós, porquanto esgota sua consistência em ser facilidade ou dificuldade, portanto, no que é com referência à nossa pretensão. Somente em função desta é alguma coisa facilidade ou dificuldade. E consoante seja a pretensão que nos informa, assim serão estas ou as outras, maiores ou menores, as facilidades e dificuldades que integram o puro e radical contorno. Assim se explica que o mundo seja para cada época, e mesmo para cada homem, alguma coisa diversa. Ao perfil de nosso pessoal programa, perfil dinâmico que oprime a circunstância, responde esta com outro perfil determinado composto de facilidades e dificuldades peculiares. Evidentemente, não é o mesmo o mundo para um comerciante que para um poeta: onde este tropeça aquele nada com satisfação; o que a este repugna àquele lhe regozija. Está claro que o mundo de ambos terá muitos elementos comuns: os que respondem à pretensão genérica que é o homem enquanto espécie. Mas precisamente porque o ser do homem não lhe é dado, já que é, como vimos, pura possibilidade imaginária, a espécie humana é de uma instabilidade e variabilidade incomparáveis com as espécies animais. Em suma, que os homens são enormemente desiguais, contra o que afirmam os igualitários dos dois últimos séculos e continuam afirmando os arcaicos do presente.

B. A vida como fabricação de si mesma

Sob esta perspectiva, a vida humana, a existência do homem aparece consistindo formalmente, essencialmente num problema. Para os demais entes do universo existir não é problema - porque existência quer dizer efetividade, realização de uma essência. Por exemplo, que o ser touro” se verifique, aconteça. Ora, o touro, se existe, existe já sendo touro. Ao contrário, para o homem existir não é já, sem mais nem menos, existir como o homem que é, senão meramente possibilidade disso e esforço para consegui-lo. Quem dos senhores é, efetivamente, o que sente que teria que ser, que deveria ser, que deseja ser? Diferentemente, pois, de todo o resto, o homem, ao existir, tem que fazer sua existência, tem que resolver o problema prático de realizar o programa em que, verdadeiramente, consiste. Daí nossa vida ser pura tarefa e inexorável ocupação. A vida de cada um de nós é alguma coisa que não nos é dada feita, presenteada, mas alguma coisa que é preciso fazer. A vida dá muito que fazer; mas, de resto, não é senão essa tarefa que dá a cada um, e uma tarefa, repito, não é uma coisa, senão algo ativo, num sentido que transcende todos os demais. Porque no caso dos demais seres se supõe que alguém ou alguma coisa que é, atua; mas aqui se trata de que precisamente para ser é preciso atuar, que não se é senão essa atuação. O homem, queira ou não, tem que fazer-se a si mesmo, autofabricar-se. Esta última expressão não é de todo inoportuna. Ela sublinha que o homem, na própria raiz de sua essência, encontra-se, antes que em qualquer outra, na situação do técnico. Para o homem viver é, evidentemente e antes de qualquer coisa, esforçar-se em que tenha o que ainda não tem; isto é, ele, ele mesmo, aproveitando para isso o que tem; em suma, é produção. Com isto quero dizer que a vida não é fundamentalmente como tantos séculos acreditaram: contemplação, pensamento, teoria. Não, é produção, fabricação, e somente porque estas o exigem, portanto, depois, e não antes, é pensamento, teoria, ciência. Viver..., isto é, achar os meios para realizar o programa que se é. O mundo, a circunstância, se apresenta evidentemente como primeira matéria e como possível máquina. Já que para existir tem que estar no mundo, e este não realiza por si e sem mais o ser do homem, já que lhe põe dificuldades, o homem se resolve a buscar nele a máquina oculta que encerra para servir ao homem. A história do pensamento humano se reduz à série de observações que o homem fez para expor à luz, para descobrir essa possibilidade de máquina que o mundo leva latente em sua matéria. Daí o invento técnico ser chamado também descobrimento. E não é uma causalidade que a técnica por antonomásia, a plena maturidade da técnica, se iniciasse na altura de 1600; justamente quando em seu pensamento teórico do mundo chegou o homem a entendê-lo como uma máquina. A técnica moderna enlaça-se com Galileu, Descartes, Huygens; em suma, com os criadores da interpretação mecânica do universo. Antes se acreditava que o mundo corporal era um ente amecânico cujo ser último estava constituído por poderes espirituais mais ou menos voluntários e incoercíveis. O mundo, como puro mecanismo, é, ao contrário, a máquina das máquinas.

É, pois, um erro fundamental acreditar que o homem não é senão um animal causalmente dotado com talento técnico ou, em outras palavras, que se a um animal lhe agregássemos magicamente o dom técnico, teríamos sem mais o homem. A verdade é o contrário, porque o homem tem uma tarefa bem diversa que a do animal, uma tarefa extranatural, não pode dedicar suas energias como aquele para satisfazer suas necessidades elementares, já que, evidentemente, tem que apagá-las nessa ordem para poder prover-se com elas na improvável faina de realizar seu ser no mundo.

Eis aqui por que o homem começa quando começa a técnica. A largura, menor ou maior, que esta lhe abre na natureza é o alvéolo onde pode alojar seu excêntrico ser. Por isso insisto em que o sentido e a causa da técnica estão fora dela; isto é: no emprego que dá o homem a suas energias disponíveis, libertadas por aquela. A missão inicial da técnica é essa: dar franquia ao homem para poder dedicar-se a ser ele mesmo.

Os antigos dividiam a vida em duas zonas: uma, que chamavam otium, o ócio, que não é a negação do fazer, mas ocupar-se em ser o humano do homem, que eles interpretavam como mando, organização, trato social, ciências, artes. A outra zona, cheia de esforço para satisfazer as necessidades elementares, tudo o que fazia possível aquele otium, chamavam-no nec-otium (negócio), assinalando perfeitamente o caráter negativo que tem para o homem.

Ao invés de viver ao acaso e dissipar seu esforço, necessita este atuar de acordo com plano para obter segurança em seu choque com as exigências naturais e dominá-las com um máximo de rendimento.

Todas as atividades humanas que especialmente receberam ou merecem o nome de técnicas não são senão especificações, concreções desse caráter geral de autofabricação próprio de nosso viver.

Se nossa existência não fosse já desde um princípio a forçosidade de construir com o material da natureza a pretensão extranatural que é o homem, nenhuma dessas técnicas existiria. O fato absoluto, o puro fenômeno do universo que é a técnica, somente pode dar-se nessa estranha, patética, dramática combinação metafísica de que dois entes heterogêneos - o homem e o mundo - se vejam obrigados a unificar-se, de modo que um deles, o homem, consiga inserir seu ser extramundano no outro, que é precisamente o mundo. Esse problema, quase de engenheiro, é a existência humana.

E, contudo, ou por isso mesmo, a técnica não é em rigor o primeiro. Ela se engenha e executa a tarefa, que é a vida; consegue, claro está, numa ou noutra limitada medida, fazer que o programa humano se realize. Ela, porém, por si não define o programa; quero dizer que à técnica lhe é prefixada a finalidade que ela deve conseguir. O programa vital é pré-técnico. O técnico ou a capacidade técnica do homem tem como missão inventar os procedimentos mais simples e seguros para conseguir as necessidades do homem. Mas estas, como vimos, são também uma invenção; são o que em cada época, povo ou pessoa o homem pretende ser; há, pois, uma primeira invenção pré-técnica, a invenção por excelência, que é o desejo original.

Não se creia que desejar é tarefa tão fácil. Observem os senhores a específica angústia que experimenta o novo rico. Tem nas mãos a possibilidade de obter a efetivação de seus desejos. Em seu íntimo sente que não deseja nada, que por si mesmo é incapaz de orientar seu apetite e decidi-lo entre as inumeráveis coisas que o contorno lhe oferece. Por isso busca um intermediário para que lhe oriente, e o encontra nos desejos predominantes dos demais. Eis aqui a razão pela qual a primeira coisa que o novo rico compra para si é um automóvel, um aparelho eletrônico sofisticado etc. Encarregou aos outros que desejem por ele. Como há o tópico do pensamento, o qual consiste na idéia que não é pensada originariamente pelo que a pensa, mas tão-somente por ele repetida, cegamente, maquinalmente reiterada, há também um desejo tópico, que é antes a ficção e o mero gesto de desejar.

Isto acontece, pois, mesmo na órbita do desejar que se refere ao que já há aí, às coisas que já temos em nosso horizonte antes de desejá-las. Imagine-se até que ponto será difícil o desejo propriamente criador, o que postula o inexistente, o que antecipa o que ainda é irreal. Em suma, os desejos referentes a coisas se movem sempre dentro do perfil do homem que desejamos ser. É este, portanto, o desejo fundamental, fonte de todos os demais. E quando alguém é incapaz de desejar-se a si mesmo, porque não tem claro um "si mesmo” que realizar, é evidente que não tem senão pseudo-desejos, espectros de apetites sem sinceridade nem vigor.

Talvez a doença básica de nosso tempo seja uma crise dos desejos e por isso toda a fabulosa potencialidade de nossa técnica parece como se não nos servisse de nada. Hoje a coisa começa a se agravar: “A Europa padece de uma extenuação em sua faculdade de desejar” (Espanha invertebrada). E essa obnubilação do programa vital trará consigo uma detenção ou retrocesso da técnica que não saberá bem a quem, a que servir. Porque esta é a incrível situação a que chegamos e que confirma a interpretação aqui sustentada: a tecnologia, isto é, o conjunto de recursos com que hoje conta o homem para viver, não somente é incomparavelmente superior ao que jamais gozou (as forças criadas pela tecnologia equivalem a 12 bilhões de escravos, isto é, dois servidores para cada civilizado- atualizando...), como temos a clara consciência de que são superabundantes. Contudo, a mágoa é enorme, que o homem atual não sabe o que ser, falta-lhe imaginação para inventar o argumento de sua própria vida.

Por quê? Ah!, isso não nos cabe responder. Apenas perguntamos: Que é o homem, ou que espécie de homens são os especialistas do programa vital? O poeta, o filósofo, o fundador de religião, o político, o descobridor de valores? Não sabemos; basta apenas advertir que o técnico os supõe e que isto explica uma diferença de posição que sempre houve e contra a qual é inútil protestar.

Talvez tenha que ver com isto o estranhíssimo fato de que a técnica é quase sempre anônima, ou pelo menos os criadores dela não gozem da fama nominativa que acompanhou sempre àqueles outros homens. Um dos inventos mais formidáveis dos últimos séculos foi o motor de explosão. Pois bem, quantos dos senhores, que não sejam por seu ofício técnicos, lembram neste momento a lista de nomes egrégios que levaram seus inventores?

Daí também a enorme improbabilidade de que se constitua uma “tecnocracia”. Por definição, o técnico não pode mandar, dirigir em última instância. Seu papel é magnífico, venerável, mas irremediavelmente de segundo plano.

Resumindo:

A reforma da natureza ou técnica, como toda mudança ou mutação, é um movimento com seus dois termos, a quo (ponto de partida) e ad quem(ponto de chegada). O termo a quo é a natureza conforme está aí. Para modificá-la é preciso fixar o outro termo, no qual se conformará. Este termo ad quem é o programa vital do homem. Como chamaríamos a obtenção plena deste? Evidentemente, bem-estar do homem, felicidade.

(In: "Meditação da técnica" de José Ortega y Gasset, Rio de Janeiro, Livro ibero-americano limitada)


http://eumatil.vilabol.uol.com.br/ortega.htm

sexta-feira, 14 de março de 2008

A primeira reunião do Grupo das sextas

Nosso grupo reune-se pela primeira vez nesse semestre e desta vez conta com uma presença nova que cabe aqui apresentar. Trata-se de um seabrense que estuda ciências sociais, seu nome é Chuck!

Chuck a partir de hoje integrará o grupo de estudos das sextas o "Sextantes". Conhecido também por Grupo de Estudos Sobre Tecnociências Globalização e Posmodernidade. Como entendemos que o nome do grupo é muito prolixo, descidimos por nos autocognominar de Sextantes não tanto pelo nome estar relacionado com "um instrumento de navegação que permite ao navegador orientar o comandante da nave sobre o rumo que deve ser tomado para atingir a um objetivo" como se tem definido por aí. Mas também pelo simples fato de nos reunirmos nas sextas-feiras, diferentemente dos outros grupos do GEC.